12 de outubro, 2018, Emily Bandeira
Noffa, que tudo esse Canadá maconheiro. Quanta coisa massa, liberdades individuais respeitadas, saúde em pauta para debate, evolução das cenas e dos mercados…Tudo perfeitim? HAUAH, claro que não né. E aí o que vou falar aqui é bem pessoal mesmo (como se o resto do texto não fosse) mas são incômodos que possuo e ainda me surpreendem. Um deles é a inevitável extrema capitalização da maconha.
Muito do ativismo daqui foi construído a partir da lógica capitalista – o próprio lance da comunidade começar a abrir um mercado ilegal regulamentado como o dos dispensários – o que implica exatamente nisso: uma lógica capitalista. Então muitas das coisas bizarras dentro dessa lógica se aplicam para a maconha: uma mercadologia estranha, ultrapassada; falta de cuidado com a ética de representação dos produtos e, muitas vezes, o que vai de acordo com o proibicionismo, a “dificultação” da autonomia de saúde do indivíduo.
E o que djabos seriam essas coisas? São os produtos cannábicos cheios de artificialidades (corantes, estabilizantes, emulsificantes, etc) ou ainda aqueles que surgem a partir da lógica farmacêutica (dói o corasaum). Quando pegam a planta e saem isolando tudo e colocando em pacotinhos individuais coloridos… Eis aqui, nesse micro pote não-sustentável, cheio de cores e marketing de baixa qualidade, um pedacinho ó-te-mo da maconha – o CBD, por exemplo – para você comprar com toda essa sua liberdade capitalista IHUUUL
E antes que venham me lembrar como é importante que também existam essas variedades de produtos para os mais diversos fins (condições médicas que exigem, por exemplo, maiores quantidades de CBD): eu sei, eu sei. Eu sei que parte da democratização das ervas é justamente disponibilizá-las para todo mundo. E todo mundo inclui quem vai fazer CBD em gotas, sabor uva rs. Mas não deixa de ser estranho. Porque são lógicas farmacêuticas, capitalistas, deficientes de visão crítica que o antiproibicionismo busca propagar.
A gente não quer só ter acesso às plantas e substâncias. A gente quer retomar o poder sobre elas, o conhecimento sobre si, sobre o sistema, sobre o corpo. Não só poder comprar um bud bonito ou um pirulito infusionado de tutti frutti. Mas poder repensar nossos conceitos de saúde e bem-estar e constatar, como no caso, que coisas como “terapias herbais” deveriam estar entre os acessos básicos da troca ser humano - natureza. Ou compreender que por mais que se imponham modelos de medicina e terapias ocidentais, esses ainda são conceitos mutáveis.
Ai. Dá pra reclamar um bastante, é verdade, mas ainda parece melhor a opção de abrir para todos e lidar com essa bagunça capitalista aos poucos. Até porque essa é uma bagunça cultural que tá em tudo mesmo né, não só na ganja, mas em nossa alimentação, nas roupas que usamos, lugares que habitamos, enfim. E faz todo o sentido que, inclusive o ativismo, assim tenha-se iniciado por aqui, estamos falando de um país norte-americano com tendências consumistas, geograficamente localizado entre os EUA e a China, a tendência é quase (quaaase) natural.
E o Brasil? Caberia uma evolução do mercado capitalista cannábico parecida? Rapaz, diante do contexto racista louco de guerra às drogas que a gente co-criou, eu diria que temos algumas tarefineas antes. Uma delas é justamente essa mudança de paradigma e estigma com quem mais sofre com a guerra desde sempre, reparação histórica com a população negra é o mínimo do mínimo do mínimo que deve ser respeitado. Aí se dá pra misturar THC-em-gotas-colorido-sabor-maçã-verde com respeito ao uso cultural e espiritual e aproveitamento responsável dos recursos naturais, bora vendo…Bora vendo que eu ainda tô devagar em enxergar como que encaixa tudo…
Que cês acham de tudo isso? Quais as preocupações que devemos ter quando pensamos na legalização brasileira? E esses incômodos capitalistas? Vocês compartilham também? Tenho muita dificuldade de expressá-los às vezes, afinal, também me encontro inserida na lógica consumista e é desafiador se descondicionar dela (e é um processo lento, falho, cíclico…). E é muito louco perceber como tudo vira produto tão rápido, até o que a gente considera sagrado ou oposto à lógica capitalista, sejam nossos corpos, serviços ou conceitos (ó o feminismo aí, estampado na nova capa do caderno da capricho). Aí dá aquela pontada de preocupação com a maconha também.
Quer queira, quer não, a maconha fez parte da contracultura do último século. Vê-la sendo incluída dentro de esquemas que a gente já percebeu que não dá certo dá uma agonia danada. Principalmente quando quem capitaliza é a mesma galera que há alguns anos atrás lutou avidamente para proibir as mesmas substâncias (legalizar ou proibir? Dá no mesmo desde que a gente consiga ganhar em cima, parece ser a lógica).
Por aqui vamos trabalhando os desconfortos e buscando alternativas. E isso envolve: todo mundo. Eu, você, nossxs amigxs. Bora pensar como mudar nossa política de drogas, galere, bó, vai ser bão! <3
Comments