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Foto do escritorMulheres Cannábicas

Sobre trabalhar num dispensário


16 de setembro, 2018, Lorraina Lourenço



Em novembro de 2017, comecei minha jornada em um dos melhores empregos que já tive : budtender em um dispensário. Na entrevista rolou uma conversa sobre os raids (batidas policiais) que estavam acontecendo e a possibilidade de enfrentar um caso judicial caso eu estivesse presente em um dos fechamentos. Mas me foi assegurado apoio judicial (iriam pagar pelo meu advogado ) e, além disso, no meu salário estaria incluso um bônus para que eu me pudesse estar assegura financeiramente durante as semanas que o dispensary estivesse fechado.

Só porque é ilegal não entenda que é bagunça! A gente já deu uma explicada sobre isso no nosso textinho dos dispensários e as coisas nesse dispensário não eram diferentes. Muito organizado e tudo bonitinho, a loja já funcionava há cerca de 5 anos nessa localidade, então os clientes eram fiéis e regulares e nos conheciam pelo nome. A quantidade de clientes até me assustou no início, a fila muitas vezes não cabia dentro da loja , mas como o ambiente era muito agradável e divertido, ninguém reclamava de ter que esperar para ter acesso aos melhores buds da cidade, ainda mais com a melhor atendente do mundo, vulgo euzinha.

O número de clientes deixou claro logo no início o apoio da população, fator determinante para possibilitar a luta contra a monopolização do mercado cannábico proposta pelo governo. Fica fácil reabrir a loja em dois dias, se você tem dinheiro suficiente pra isso e se você sabe que seus clientes estarão prontos para fazer fila de novo assim que as portas estiverem abertas.

Tudo parecia um sonho mas foi em janeiro, plena quarta feira , que um grupo de policiais decidiu acabar com nossa festa... eu como bela brasileira que sou estava preparada para dedo no cu e gritaria quando a polícia entrou, mas tudo foi bem diferente do que eu estava esperando . Eram cerca de 10 agentes incluindo policiais, detetive e um representante da ‘prefeitura'. No total éramos 7 funcionários e 15 clientes dentro da loja. Primeiro eles lidaram com os clientes: uma pequena conversa de como eles deviam estar pedindo pela internet de growers autorizados em vez de apoiar o ‘tráfico ilegal’ (todos rimos). Uma simples ocorrência para cada cliente que é como se fosse uma advertência oral de escola fundamental, os clientes foram liberados rapidamente e todos nos desejaram boa sorte e deixaram claro para os policiais que estavam do nosso lado nessa luta .

Os policiais se dividiram em dois grupos… os que fumavam e os que não tinham ideia do que estavam fazendo ou falando (um policial inclusive nosso cliente regular -haha- nos pediu desculpa logo no início e disse que não teve muito o que fazer quando colocaram ele nessa equipe). De forma geral, foi tudo muito calmo, eles explicaram o processo todo de um por um, registraram as ocorrências e, enquanto faziam isso, fizeram questão de manter o ambiente agradável e calmo, rolaram piadinhas e muitas risadas durante o processo, eles nos deram nossas gorjetas ( o que me surpreendeu muito) nos ajudaram com informações sobre o processo e, em especial no meu caso, a estudante internacional que está no Canadá como imigrante (vulgo a surtada já vendo minha carta de deportação chegando \) , o detetive me acalmou e assegurou que toda a informação no processo era confidencial e que não me prejudicava em nada em termos de imigração. Rolou até copinho de água com açúcar. Quando eles pediram ajuda, também correspondemos à atitude dos nossos queridos policiais (não fornecemos as informações sobre os donos ou código de segurança do cofre ), assim, ajudamos a classificar a mercadoria e a separar os produtos direitinho. Rolou ate oferta de carona no final .

Saí dessa experiência de tranca e destranca cu completamente chocada, nunca tinha imaginado que uma abordagem policial pudesse ser tão pacífica, sensata e justa, diante da situação, ficou claro que os policiais estavam apenas realizando seu trabalho e que entendiam que nós também estávamos fazendo exatamente a mesma coisa.

Os donos do dispensário entraram em contato conosco, muito rapidamente forneceram o contato do advogado, nos levaram pra jantar, rolou mais bônus por que a loja iria ficar fechada uma semana, todos os outros funcionários voltariam , no meu caso , como envolve imigração, infelizmente não pude fazer o mesmo, porque caso você seja reincidente, o processo já não é tão mais calmo e não teria como ser tudo confidencial e bonitinho, então preferi não arriscar.

Hoje, quase 8 meses de processo depois, ficou decidido que cumpriríamos 30h de serviço voluntário em troca de deletar todo o processo . Há apenas um juiz tomando conta de todos os casos de 'raids' em Toronto, o que torna todo o processo muito lento com algumas dores de cabeça, mas sem drama e medos desnecessários.

A melhor parte foi ter encontrado esses mesmos policiais 5 meses depois do acontecido, por acidente nos encontramos pelas ruas de Toronto e aí foi só amor, lembraram de tudo, perguntaram se tava tudo bem, se eu estava precisando de alguma ajuda com o processo, se tinha sido complicado conseguir outro emprego, preocupação de verdade...

Essa semana mesmo fui perguntada se a experiência valeu a pena… Nesses últimos meses tive que lidar com papelada, registro de digitais, advogado, juiz. Mas não tem estresse que faz parar de sentir falta de ajudar as pessoas de verdade, de estar em contato com algo que eu amo no meu ambiente de trabalho, de aprender e desenvolver habilidades no ramo pelo qual sou apaixonada e de ver bem de pertinho que essa plantinha realmente transforma vidas e que pode, sim , ser inserida na sociedade de uma forma consciente e segura para todos.

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