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  • Foto do escritorMulheres Cannábicas

Mercado Cannábico internacional

por Emily Bandeira


fotos de Marcus Yam/ Los Angeles times intervidas por emily bandeira


Esses dias me deparei com fotos de garotas libanesas fazendo a colheita de ganja no Vale do Beca (que fica lá no Líbano). Colheita de cultivo ilegal, talvez por isso os rostos cobertos. O Líbano é o terceiro maior produtor de haxixe do mundo, ficando atrás apenas pelo Marrocos e pelo Afeganistão.


O Líbano iniciou seu processo de regulamentação e legalização da maconha esse ano. Segundo o governo, essa "manobra política" veio através de seu grande apelo econômico e do desespero do país para sair da crise em que se encontra. O governo tinha pago uma empresa estadounidense para fazer uma análise de mercado em 2018 e "descobriu" que o mercado da ganja é bilionário.


Gostei porque eles não vieram com outros discursos. "Tamo legalizando por conta da grana e é isso aí – inclusive até temos algumas discordâncias quanto à moral de legalizar essa planta, mas a crise econômica fala mais alto, então não vamos pensar nisso."


fotos de Marcus Yam/ Los Angeles times intervidas por emily bandeira


O projeto político não fez questão de incluir (ao menos por enquanto) quaisquer tipos de reparação, anistia ou inclusão social com a população libanesa produtora de maconha. Inclusive não parece ter sequer se dado o esforço de produzir qualquer pesquisa que trouxesse esse mercado de trabalho ilegal para a legalidade (pagar uma empresa estadounidense para isso não dava, não?). Pelo contrário, para trabalhar na nova indústria emergente não se pode ter nenhum registro criminal.


Tem mais. Justamente por ser um dos países de preparação tradicional de haxixe, a média de THC nas variedades libanesas de sucesso oscila em torno de 18% (é um bocado bom, nham). A nova indústria cannábica libanesa anunciou que as variedades de plantas que serão legalizadas terão taxas de THC menores ou de até 3%. Ou seja: pode mandar substituir todas as sementes que temos tradicionalmente, vamo começar do zero com uma variedade que a gente nunca nem cultivou a sério.


E o que temos a ver com isso? Com o Líbano e seu projeto de legalização? A gente, aqui, no Brasil, aparentemente muito ~ confusos ~ em matéria de vida política?


Muitas vezes quando falamos de regulamentação e legalização no Brasil parece que estamos falando de uma utopia que não chega. De uma terra onde unicórnios andam nas praças ouvindo planet hemp com fones de ouvido e a polícia militar não mata à toa. De uma coisa mágica que há de ser a redenção de usuárias/os e o fim dessa necropolítica genocida atual.


Eu não sei bem se é assim.


A regulamentação da maconha no Brasil já acontece. Os caminhos de uma futura legalização já estão sendo pavimentados. A gente só não faz alarde, pelo contrário, a gente deixa meio por baixo, sem usar essas palavras esperançosas. É que não é pra todo mundo. Não é um processo verdadeiramente aberto.


Sim, podemos ir às reuniões da Anvisa, do conselho médico, da câmara, podemos votar e discutir os projetos de lei, mas isso torna o processo democrático? O que acontece dessa regulamentação que é maior e subterrâneo?


Por aqui, como em tantos outros locais, são as leis do mercado que ditam como a regulamentação é feita. É o lobby pago pelas grandes indústrias e empresas de fora. É o lobby refletido aqui dentro, na mesma reunião da anvisa, da câmara. São os parceiros brasileiros dessas empresas, envolvidos em escândalos de planos de saúde, etc e tal. São as empresas estrangeiras "educando" o público e os médicos brasileiros, garantindo que todes tenham acesso aos progressos e descobertas científicas sobre a cannabis ( e antes que pareça que tô num discurso anti-educação, pelamordadeusa não, só escrevo isso aqui para que estejamos atentas a que tipo de educação gratuita é essa que vem de fora e com quais interesses).


E, assim, temos regulamentado as coisas. Mas de maneira classista (surpresa), onde para entrar na brincadeira (até para dar pitaco) já tem que chegar com recursos. Tem que ter grana para abrir os processos de cultivo. Tem que ter grana para conseguir atender aos requerimentos de cultivo. Ou de processamento, ou de distribuição.

Tem que ter grana para importar os medicamentos que são permitidos pela Anvisa. Tem que ter auxílio do capital de fora. Ou dos latifundiários de dentro.


E não bastasse que as decisões fossem surgindo assim, longe do domínio público real, não existe apoio às associações. Não se fala nos órgãos oficiais sobre reparação social. Mantemos os traficantes e outras pessoas envolvidas no varejo de drogas onde elas pertencem: nos locais de mais alto estigma social, inimigos da sociedade, raízes de todos os males.


Vamos legalizando a maconha medicinal (e quem concorda que essas denominações são problemáticas?) para não termos nem de chegar perto em nenhum tipo de proposta sobre a maconha social (de uso social, recreativo, de uso adulto, como preferir). E no fim das contas, preferimos que assim o seja, porque antes regulamentar o uso medicinal que não regulamentar nenhum, correto?


Corretíssimo. Não é de agora que muita gente precisa do acesso a essas substâncias. Já dizia a música: antes pouco que nenhum.


Mas que é uma bela manobra econômica de longo prazo, ah, assim me parece. Porque, de repente, quem entra no jogo são as indústrias farmacêuticas, os mercados cannábicos internacionais com seus novos requerimentos e certificados. Suas autorizações. Suas imposições de mercado bastante específicas.


fotos de Marcus Yam/ Los Angeles times intervidas por emily bandeira


Quando vemos as empresas de fora olhando para a América Latina, é quase sempre algo assim: "Uma incrível oportunidade. Terra fértil, ensolarada e maravilhosa. Público consumidor estimado na faixa de milhões. Mão de obra a preços 'competitivos' '". E eu sempre interpreto assim: "Vamos lá, fazer o que fazemos sempre quando se trata de matéria prima e desenvolvimento agrário: explorar terras e povos do Hemisfério Sul como fazemos tão bem há tanto tempo".


Tá, pode parecer um discurso nervosinho decolonial. Mas é a mesma agonia desde que aprendi no ensino fundamental que somos explorados de diversas maneiras pelo tal eixo América do Norte/Europa desde nossa "descoberta". Só mudamos os nomes, para ver se fica mais elegante – não fica.


E aí as mulheres libanesas de rostos cobertos. Colhendo maconha em vales de cultivos históricos. Sendo parte dessa trama louca global que tem sido o universo cannábico no último século. Elas não estão sendo levadas em conta pelo governo Libanês.


Quem que a gente tem levado em conta aqui no Brasil?


Essas coisas são grandes, e correm ao nosso lado, não acho que seja possível pará-las. O mercado cannábico global desabrocha (quer enxerguemos ou não), tem muita gente no corre, tem muito dinheiro também. O negócio, talvez, mais que ir de encontro a essas forças capitalistas regulatórias, é saber-se estar paralelamente a elas (e manter os olhos atentos, claro).

Felizmente temos muitas pessoas nesse país pensando na tal da reparação social. Pensando em quem tá envolvido nisso há mais tempo que o capital externo. Vamos escutar essas pessoas e suas proposições. Vamos ter em mente que direitos como o autocultivo devem ser irrevogáveis. Que podemos encontrar outras maneiras de apoiar às associações que surgem, que podemos escutar as sonoras vozes das mães.

Vamos no passinho de samba das formigas desestigmatizando o perfil da/do maconheira/o. Que é gente como a gente e também sabe se cuidar. E não vamo deixar só pra galera de fora a missão de educar, disseminar informações sobre a ciência da ganja. A gente também produz conhecimento, capacidade crítica.


Acredito em nossa criatividade para resistir. Para repensar história. Para criar círculos em que as marginais vêm no centro.


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