21 de maio, 2018, MARIAS
ilustra: @arau_corina
Eu fumo um. Isso mesmo, m-a-c-o-n-h-a. Não que eu deva justificativas a ninguém, mas estou muito bem assim: a flor me relaxa, atiça meu potencial criativo, aumenta minha sensibilidade psíquica e é o final perfeito para dias cansativos. Inclusive, estou chapada agora mesmo. Eu amo essa flor e não é por acaso: a maconha que fumamos é essencialmente feminina (só dá na planta fêmea) e muitos dizem que a única utilidade da planta macho é garantir a reprodução – que inversão de valores, em?! Uma plantinha de utilização milenar, relegada ao espaço subalterno e periférico, cujas propriedades medicinais dão de mil em muitas pílulas importadas. De fato, eu adoro essa planta; adoro como adoro uma deusa. Entretanto, para a decepção de muitos, tenho um aviso: fumar maconha não te torna uma pessoa melhor. Estou cansada de ouvir maconheiros, principalmente homens brancos, contando como as viagens proporcionadas pela planta os tornaram menos preconceituosos, mais desconstruídos e mais amorosos. Homens que continuam fazendo colocações machistas nas rodas de beck, subestimam as capacidades das mulheres e alimentam o tráfico sem nem refletir sobre o que isso significa. O que mais tem ao redor da deusa flor é hipocrisia. Se dizem conscientes das lutas de gênero, raça e classe, mas, ao comprar uma planta no ambiente relativamente seguro da universidade, nem se questionam sobre quem morreu ou foi preso para que a planta chegasse até ali. A guerra às drogas tem um inimigo muito bem definido, e esse inimigo tem raça estabelecida. E não prende só homens: 63% das mulheres encarceradas no Brasil lá estão por envolvimento ao tráfico de drogas. Mas, é claro, é mais fácil ignorar que tal realidade existe; afinal, “não é minha culpa que a maconha é criminalizada”. Os inúmeros motivos elitistas para a criminalização da planta dividem espaço com o racismo e o machismo. E se existe racismo e machismo, é porque existe racista e machista, né?! Aí vem o que deveria ser o assunto principal desse texto: maconheiro não se assume racista e machista. Maconheiro é desconstruído, de esquerda. Eu também caí nessa conversa. Eu achava que as rodas majoritariamente masculinas, héteras e brancas em que eu estive eram compostas de homens minimamente cientes dos seus privilégios e dispostos a se desconstruir. E não, a culpa não foi minha por acreditar em homens héteros brancos. A culpa é dos homens héteros brancos que insistem em ser babacas. Além dos racismos e machismos mais óbvios, envolvidos na compra da erva e na ausência do questionamento e da ação ativa frente a essas incoerências, sempre me deparo com as opressões silenciosas. Eles me excluem das conversas, ignoram minha voz e fazem piadas quanto a imunidade da pele branca à violência policial – como se a maior probabilidade deu ser abordada e punida por algo que todos nós fazemos fosse engraçado. E o pior: eles estão cientes de que estão sendo opressores. Fazem quase tudo em tom de piada e olham para mim esperando que eu os repreenda. E eu, que só queria 40 minutos de descanso no meu dia, fumando um e aproveitando uma boa companhia, sou quase que obrigada pelos meus próprios opressores a virar a Wikipédia das lutas pela igualdade. Esse cenário é acrescido de uma constante descrença da comunidade masculina à capacidade feminina em bolar um beck. A subestimação das habilidades das mulheres é, infelizmente, presente em todos os espaços que ocupamos. Uma vez em minha própria casa, um homem tentava me explicar como o amigo dele era realmente bom em matemática e que, portanto, eu havia entendido errado ao dizer que eu era igualmente boa. Apesar disso ter acontecido com um beck aceso, não é assunto para agora. A questão é que os homens desconfiam ainda mais se dissermos que dominamos um tema “masculino”, como é o caso das drogas. Apenas homens sabem como encontrar as melhores plantas, como plantar, como extrair o óleo, como tragar e como bolar um beck. Sim, aparentemente uma tarefa tão simples e trivial como enrolar uma planta dentro de uma seda não é apta de ser realizada pelo gênero feminino. Já perdi as contas das vezes que parabenizaram um amigo pelo beck que eu bolei e agradeceram outro alguém pela planta que eu trouxe. Isso tudo enquanto discutíamos as cores das flores fumadas e a facilidade e praticidade do corre que fizeram. A verdade é que ninguém escapa da hipocrisia envolvida no fumar maconha. Muito provavelmente o próprio ato de ter uma planta para acender implica em inúmeras violências que ocorreram para que a flor estivesse na sua mão – a não ser que você fume uma maconha plantada por você ou por pessoas próximas. E ignorar essas contradições e hipocrisias não é uma opção. É preciso falar sobre isso. É preciso falar sobre quem é morto e preso no tráfico de drogas e é preciso falar sobre os machismos e racismos perpetuados nas rodas de beck. De nada adianta estudar raça e gênero na universidade, assistir palestras da Djamila Ribeiro e ler Judith Butler se não formos capazes de introduzir as mudanças e as revoluções dentro do nosso cotidiano. Para além de nos alegarmos desconstruídos, é necessário nos desconstruirmos. Então, de maconheira pra maconheira(o), faço um pedido: em nome de Maria Joana, que tal nos esforçarmos para construir um ambiente cannábico livre de opressão e hipocrisia? Autoria anônima Obs.: As informações aqui compartilhadas são de responsabilidade da autora e não necessariamente dizem respeito às ideias defendidas pelas MARIAS.
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