30 de out, 2017, Emily Bandeira e Ana Cavalcanti,
Em 2016, ocorreu em Recife o Encontro Nacional de Coletivos e Ativistas antiproibicionistas. Reunião que mobilizou gente de todo o país para discutir sobre as proibições impostas pelo Estado e suas consequências nas mais variadas populações. Como sabemos, as medidas proibicionistas implicam em muito mais que apenas restrições das liberdades individuais de cada um. Tais medidas geram reflexos em diversas áreas da sociedade e, justamente por isso, deveriam ser consideradas por uma parcela mais ampla da população. Vale ressaltar que a proibição não concerne apenas às drogas, mas a outras temáticas que envolvem a proibição das liberdades individuais e do corpo em decorrência de parâmetros morais. O aborto também exemplifica essa situação em que a proibição atua de forma seletiva, ou seja, seus resultados serão sentidos de maneira distinta conforme o contexto sociocultural, de gênero, de raça. Além de apontar críticas e expor incômodos, o I Encontro Nacional de Coletivos e Ativistas Antiproibicionistas se propôs a proporcionar um espaço para que sonhássemos com a política de drogas que seria ideal. Nesse espaço, diversas mulheres se reuniram para discutir, então, como mudar os paradigmas impostos pelo sistema, e — como esperado em uma sociedade sexista e patriarcal — encontraram diversas dificuldades para iniciar tais mudanças. Instigadas em pensar novos modos de encontrar soluções que incluíssem as particularidades da realidade da mulher no Brasil, essas mulheres, cis ou trans, uniram-se em rede e formaram a RENFA - Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas. Desde então, a RENFA começou a atuar da maneira que lhe pareceu mais apropriada: através de laços horizontais entre as mulheres atuantes, de maneira a desconstruir as diversas noções que o patriarcado nos lança diariamente como “naturais”. Assim, uma das medidas da RENFA foi iniciar um programa de redução de danos para moradoras de rua, a fim de que essas se fortaleçam e fortaleçam às companheiras a partir do autocuidado e possuam, novamente, condições de empoderar-se como mulheres nesse mundo. Uma das outras medidas do grupo central da RENFA foi a de organizar o primeiro Encontro Nacional, ocorrido em Recife nos dias 30.09 e 01.10, marco importante do atual movimento feminista antiproibicionista, para unificar e mobilizar todas as mulheres que, cada qual a sua maneira, já atuam com os temas do antiproibicionismo. O encontro enraizou-se desde o início em princípios claros sobre tudo o que deveria ser transmutado de nosso sistema atual. O que, obviamente, mostrou-se um desafio, porém revestido de respeito e vontade real de mudança por parte das mulheres presentes. Assim, durante o primeiro dia, as mulheres conversaram sobre a importância do autocuidado e tiveram a chance de conhecerem-se e trocar experiências entre si. Essa mistura de vivências foi vital para que se começasse o Encontro do ponto de vista de inclusão e alteridade. “Não se fala de maluco sem maluco”, não se fala sobre morar na rua sem moradoras de rua, não se fala de maternidade sem mães e não se fala de políticas de drogas sem as vítimas mais delicadas desse sistema. Iniciaram-se, nesse dia, rodas de conversas sobre redução de danos, sistema carcerário, saúde mental, racismo, maternidade, cultivo, maconha medicinal, espiritualidade entre outras. Todos esses temas entrelaçam-se e devem ser discutidos em conjunto para uma atuação holística no sistema. No segundo dia, foi discutido o tipo de organização escolhido, a rede. Quais as implicações de se trabalhar em rede? Como se tece tal movimentação? Mais que discutir sobre temas tão importantes sob perspectivas de mulheres tão diferentes, o desafio final do encontro foi o de realmente refletir sobre as maneiras de como implementar a mudança social: Qual seria a metodologia apropriada para não cairmos nos paradigmas de sempre? Como realmente implementar a horizontalidade nas ações e políticas, considerando que temos, na mesma roda, professoras universitárias e moradoras de rua? Como não deixar-se enganar por racismos institucionalizados que se escondem até mesmo em discursos libertários e inclusivos?
Ao final, esse primeiro encontro pode não ter sanado todas essas dúvidas mas, talvez, mais importante que surgir com soluções, tenha sido a oportunidade de agir em conjunto para identificar todos os nós problemáticos que, como já dito antes, às vezes se escondem nas esquinas dos discursos e pensamentos. A resolução final, regada de muito incenso e defumação, foi a de realmente livrar-se de todos os modos antigos que fazem do nosso status quo um grande sistema ineficiente e desumano. Temos, então, centenas de mulheres ativistas de olhos abertos e mãos dadas, girando uma enorme ciranda de catarses. Pode mandar queimar tudo, moçada, as novas tecelãs estão voltando com toda a consciência ancestral para tornar esse mundo respeitável novamente.
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